O espelho da própria alma O espelho da própria alma O espelho da própria alma O espelho da própria alma
Casal apaixonado se olhando, com uma luz em formato de coração entre eles, simbolizando amor e união.
Imagem por IA

No entrelaçar de olhares, há mais do que desejo. Existe a possibilidade de um encontro ontológico — não apenas de corpos, mas de existências inteiras. No Dia dos Namorados, entre flores, jantares e promessas, poucos percebem que o amor genuíno não é aquilo que nos falta, mas aquilo que nos desperta.

Desde Platão, aprendemos a idealizar o amor como a busca pela metade perdida. No “Banquete”, o filósofo fala do ser humano como um fragmento partido ao meio, ansioso por reencontrar sua completude. Mas e se o amor não fosse reencontro, e sim criação? Não a procura por uma parte ausente, mas a ousadia de tornar-se inteiro?

O verdadeiro afeto é olhar para o outro e, ao invés de ver uma função ou uma projeção do próprio desejo, ver um mistério que não se esgota em nossa compreensão. É, portanto, um ato de reconhecimento: “o outro é alguém com um universo próprio – um abismo que nos desafia e nos chama a mergulhar”. É a angústia de sair de si e se colocar em risco diante do outro, sem a ilusão do controle.

O amor não se resume a fusão — essa ideia romântica de “dois tornarem-se um” talvez seja a mais destrutiva. Quando dois se fundem, um deles inevitavelmente desaparece. O afeto verdadeiro não anula, potencializa. A relação amorosa deve ser uma dança, não uma prisão. Um lugar onde o “eu” e o “tu” não se apagam, mas se reinventam em diálogo.

Nem sempre amamos o que nos faz bem. Às vezes, amamos o que nos desafia, o que nos desconstrói, o que nos obriga a mudar. Isso assusta. Por isso tantos fogem do amor profundo, preferindo vínculos de conveniência, laços previsíveis e domesticados. Contudo, onde não há risco, tampouco há transcendência.

Talvez devêssemos nos perguntar: “Esse amor está me revelando a mim mesmo?”, “Estamos evoluindo juntos?”, “Existe liberdade entre nós?” Porque amar, de fato, é mergulhar profundamente em si, tendo o outro como espelho, provocação e companheiro(a) de jornada.

O amor não é a linha de chegada, mas o processo. O encontro não é conclusão, é início. O outro não é resposta, é pergunta. E é nesse terreno fértil da dúvida, da impermanência e da entrega que o amor verdadeiro floresce — não como algo que nos completa, mas como algo que nos desperta. Que ele nos toque onde mais precisamos ser transformados — na alma.